quinta-feira, 26 de março de 2009


"There is comfort right in the eye of the hurricane, just to make it easier on you. You are gonna have to find out for yourself."

terça-feira, 3 de março de 2009

yeshua ben joseph

Sei que existo em plena solidão, por isso me alisto na escola do perdão. E da luz que brilha dessas páginas sinto Jesus que enxuga as minhas lágrimas. E depois ele pega a minha mão e me leva com seu doce sorriso para um tempo que fica muito antes, mas muito antes da expulsão do paraíso. Sei que existo todas as manhãs numa eterna-moderna felicidade. Com Jesus Cristo nas Bodas de Canaã para todo sempre, para toda eternidade.

Sou o que sou porque sou da legião dos iluminados e dos escolhidos. Sou o que sou porque sou da religião dos humilhados e dos ofendidos.

Yeshua Bem Joseph, Jesus, filho de José, para Leon Trotsky foi a primeira grande revolução da humanidade, talvez a maior, pois era a igualdade do homem perante Deus. Vestido de púrpura no Sermão da Montanha, ele disse: “Amai-vos uns aos outros, os primeiros serão os últimos, os últimos serão os primeiros.” Ele ressuscitou Lázaro, seu amigo. Ressuscita uma menina, e diz: “Menina, levanta.” Em aramaico é “Talita cumi”.

Antes de morrer e ressuscitar ele mergulhou na terrível angústia do desespero da derrota e diz: “Pai, pai, porque me abandonaste?”. Ele dizia: “Para perdoar o inimigo, para amar o inimigo.”

Mas ele também dizia: “Se alguém fizer mal a algum destes pequeninos que me acompanham, melhor seria que amarrasse uma pedra ao redor de seu pescoço e os jogasse no fundo do mar.”

O Brasil, um país-continente, com 30 milhões de crianças abandonadas, a maior nação católica do mundo, não estará pecando contra Yeshua Ben Joseph?

Quando ele chegou ao lado da mulher adúltera e enfrentou os linchadores que com pedras nas mãos queriam linchar de acordo com a lei sectária e dogmática da lei mosaica aquela mulher adúltera, ele ficou ao dela, dentro de um círculo, e encarando os linchadores, disse: “Atire a primeira pedra aquele que dentre vós nunca pecou.”

Adonai, Adonai, Adonai.


(Jorge Mautner)

sábado, 7 de fevereiro de 2009

da chegada do amor

Sempre quis um amor
que falasse
que soubesse o que sentisse.

Sempre quis uma amor que elaborasse
Que quando dormisse
ressonasse confiança
no sopro do sono
e trouxesse beijo
no clarão da amanhecice.

Sempre quis um amor
que coubesse no que me disse.

Sempre quis uma meninice
entre menino e senhor
uma cachorrice
onde tanto pudesse a sem-vergonhice
do macho
quanto a sabedoria do sabedor.

Sempre quis um amor cujo
BOM DIA!
morasse na eternidade de encadear os tempos:
passado presente futuro
coisa da mesma embocadura
sabor da mesma golada.

Sempre quis um amor de goleadas
cuja rede complexa
do pano de fundo dos seres
não assustasse.

Sempre quis um amor
que não se incomodasse
quando a poesia da cama me levasse.

Sempre quis uma amor
que não se chateasse
diante das diferenças.

Agora, diante da encomenda
metade de mim rasga afoita
o embrulho
e a outra metade é o
futuro de saber o segredo
que enrola o laço,
é observar
o desenho
do invólucro e compará-lo
com a calma da alma
o seu conteúdo.

Contudo
sempre quis um amor
que me coubesse futuro
e me alternasse em menina e adulto
que ora eu fosse o fácil, o sério
e ora um doce mistério
que ora eu fosse medo-asneira
e ora eu fosse brincadeira
ultra-sonografia do furor,
sempre quis um amor
que sem tensa-corrida-de ocorresse.

Sempre quis um amor
que acontecesse
sem esforço
sem medo da inspiração
por ele acabar.

Sempre quis um amor
de abafar,
(não o caso)
mas cuja demora de ocaso
estivesse imensamente
nas nossas mãos.

Sem senãos.

Sempre quis um amor
com definição de quero
sem o lero-lero da falsa sedução.

Eu sempre disse não
à constituição dos séculos
que diz que o "garantido" amor
é a sua negação.

Sempre quis um amor
que gozasse
e que pouco antes
de chegar a esse céu
se anunciasse.

Sempre quis um amor
que vivesse a felicidade
sem reclamar dela ou disso.

Sempre quis um amor não omisso
e que suas estórias me contasse.

Ah, eu sempre quis um amor que amasse.

(Elisa Lucinda)

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

copo vazio

é sempre bom lembrar
que um copo vazio
está cheio de ar.

é sempre bom lembrar
que o ar sombrio de um rosto
está cheio de um ar vazio,
vazio daquilo que no ar do copo
ocupa um lugar.

é sempre bom lembrar,
guardar de cor que o ar vazio
de um rosto sombrio está cheio de dor

é sempre bom lembrar
que um copo vazio
está cheio de ar.
que o ar do copo ocupa o lugar do vinho,
que o vinho busca ocupar o lugar da dor.
que a dor ocupa metade da verdade,
a verdadeira natureza interior.

uma metade cheia, uma metade vazia.
uma metade tristeza, uma metade alegria.
a magia da verdade inteira, todo poderoso amor.

é sempre bom lembrar
que um copo vazio
está cheio de ar.

do disco sinal fechado, 1974, de chico buarque...


sábado, 10 de janeiro de 2009

gênesis

Primeiro não havia nada, nem gente, nem parafuso
O céu era então confuso e não havia nada
Mas o espírito de tudo quando ainda não havia
Tomou forma de uma jia, espírito de tudo
E dando o primeiro pulo tornou-se o verso e reverso
De tudo que é universo, dando o primeiro pulo
Assim que passou a haver tudo quanto não havia
Tempo, pedra, peixe, dia, assim passou a haver
Dizem que existe uma tribo de gente que sabe o modo
De ver esse fato todo, diz que existe essa tribo
De gente que toma um vinho num determinado dia
E vê a cara da jia, gente que toma um vinho
Dizem que existe essa gente dispersa entre os automóveis
Que torna os tempos imóveis, diz que existe essa gente
Dizem que tudo é sagrado, devem se adorar as jias
E as coisas que não são jias, diz que tudo é sagrado
E não havia nada, espírito de tudo
Dando o primeiro pulo, assim passou a haver
Diz que existe essa tribo, gente que toma um vinho
Diz que existe essa gente, diz que tudo é sagrado...


Dizem que tudo é sagrado...

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

campo de flores

Deus me deu um amor no tempo de madureza,
quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme.
Deus - ou foi talvez o Diabo - deu-me este amor maduro,
e a um e outro agradeço, pois que tenho um amor.

Pois que tenho um amor, volto aos mitos pretéritos
e outros acrescento aos que amor já criou.
Eis que eu mesmo me torno o mito mais radioso
e talhado em penumbra sou e não sou, mas sou.

Mas sou cada vez mais, eu que não me sabia
e cansado de mim julgava que era o mundo
um vácuo atormentado, um sistema de erros.
Amanhecem de novo as antigas manhãs
que não vivi jamais, pois jamais me sorriram.

Mas me sorriam sempre atrás de tua sombra
imensa e contraída como letra no muro
e só hoje presente.
Deus me deu um amor porque o mereci.
De tantos que já tive ou tiveram de mim,
o sumo se espremeu para fazer um vinho
ou foi sangue, talvez, que se armou em coágulo.

E o tempo que levou uma rosa indecisa
a tirar sua cor dessas chamas extintas
era o tempo mais justo. Era tempo de terra.
Onde não há jardim, as flores nascem de um
secreto investimento em formas improváveis.

Hoje tenho um amor e me faço espaçoso
para arrecadar as alfaias de muitos
amantes desgovernados, no mundo, ou triunfantes,
e ao vê-los amorosos e transidos em torno,
o sagrado terror converto em jubilação.

Seu grão de angústia amor já me oferece
na mão esquerda. Enquanto a outra acaricia
os cabelos e a voz e o passo e a arquitetura
e o mistério que além faz os seres preciosos
… visão extasiada.

Mas, porque me tocou um amor crepuscular,
há que amar diferente. De uma grave paciência
ladrilhar minhas mãos. E talvez a ironia
tenha dilacerado a melhor doação.
Há que amar e calar.
Para fora do tempo arrasto meus despojos
e estou vivo na luz que baixa e me confunde.

(Carlos Drummond de Andrade)

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

em outros escritos...

“As pessoas, feitas de milho fazem o milho. As pessoas, criadas da carne e das cores do milho, cavam um berço para o milho e o cobrem de boa terra e o limpam das ervas daninhas e o regam e dizem a ele palavras de amor. E quando o milho está crescido, as pessoas de milho moem sobre a pedra e o erguem e o aplaudem e o embalam no amor do fogo e o comem, para que nas pessoas do milho o milho continue caminhando sobre a Terra, sem morrer.”

(GALEANO, Eduardo. Janela sobre os ciclos)

"Vai o animal no campo; ele é o campo como o capim, que é o campo se dando para que haja sempre boi e campo; que campo e boi é o boi andar no campo e comer do sempre novo chão. Vai o boi, árvore que muge, retalho da paisagem em caminho. Deita-se o boi, e rumina, e olha a erva a crescer em redor de seu corpo, para o seu corpo, que cresce para a erva. Levanta-se o boi, é o campo que se ergue em suas patas para andar sobre o dorso. E cada fato é já a fabricação de flores que se erguerão do pó dos ossos que a chuva lavará, quando for tempo."

(GULLAR, Ferreira. O boi)

Escritos que dialogam.