domingo, 31 de agosto de 2008

olho as minhas mãos

Olhos as minhas mãos: elas só não são estranhas
Porque são minhas. Mas é tão esquisito distendê-las
Assim, lentamente, como essas anêmonas do fundo do mar...
Fechá-las, de repente,
Os dedos como pétalas carnívoras!
Só apanho, porém, com elas, esse alimento impalpável do tempo,
Que me sustenta, e mata, e que vai secretando o pensamento
Como tecem as teias as aranhas.
A que mundo
Pertenço?
No mundo há pedras, baobás, panteras,
Águas cantarolantes, o vento ventando
E no alto as nuvens improvisando sem cessar.
Mas nada, disso tudo, diz: "existo".
Porque apenas existem...
Enquanto isto,
O tempo engendra a morte, e a morte gera os deuses
E, cheiros de esperança e medo, Oficiamos rituais, inventamos
Palavras mágicas,
Fazemos
Poemas, pobres poemas
Que o vento
Mistura, confunde e dispersa no ar...
Nem na estrela do céu nem na estrela do mar
Foi este o fim da Criação!
Mas, então,
Quem urde eternamente a trama de tão velhos sonhos?
Quem faz - em mim - esta interrogação?

(Mário Quintana)

Dos meu prediletos.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

"Meu filho,
Você é um ser.
Existe na mediado do mundo.
É pouco.
O mundo é a constatação da realidade exterior que te cerca.
É a tua medida inicial.
É o teu começo, mas não o teu fim.
É o chão da tua expressividade, pois você é um ser vertical.
Para cima do chão há o "invisível".
Você pode olhar os seus pés, mas não a sua própria imagem.
Esta você a percebe.
Na verticalidade está a medida da sua procura.
Quando você aceita a simples constatação da vida, aí sim, será o seu começo.
O primeiro sentimento será de perda pois tudo que cai na constatação é vivido como ganho.
Tudo adquirido como perda até a integração absoluta do "o percebido" no seu inteiror,
é a própria dinâmica da vida: perde-ganha.
Quando você se sentir no mais absoluto desespero você está sendo salvo.
Solte e aceite a tua intuição que te levará a uma aparente solução - solução esta sempre provisória.
Aceite o provisório, pois jamais o processo pode parar.
A vida pode vir a ser uma realidade extraordinária, desde que você esteja voltado para sua procura interior.
Não há realidade independente do o "interior de si".
Desconfie das coisas claras, a pureza é descoberta dentro da maior conturbação de um crise. É o ponto luminoso dentro da maior escuridão.
O teu corpo, meu filho, é o veículo da tua vivência.
Não o impeça de florir por nada. Cuide dele como você cuida do teu carro,
Toda a tua riqueza interior vai suá-lo, sujá-lo, e até sangrá-lo.
Quando ele estiver gasto externamente você mesmo estará mais inteiriço e completo interiormente.
Você o despirá um dia como a crisálida deixa o casulo.
Ai de você se neste momento você é ainda o início não elaborado, pois aí você vai saber que esteve permanentemente morto em vida."

(Carta de Lygia Clark para seu filho, 1970)

Essa carta é muito rica. Tenho uma na primeira gaveta do meu criadomudo. Sempre que necessário, recorro a ela.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008


Sentados à beira do rio, dois pescadores seguram suas varas à espera de um peixe. De repente, gritos de crianças trincam o silêncio. Assustam-se. Olham para a frente, olham para trás. Nada. Os berros continuam e vêm de onde menos esperam. A correnteza trazia duas crianças, pedindo socorro. Os pescadores pulam na água. Mal conseguem salvá-las com muito esforço, eles ouvem mais berros e notam mais quatro crianças debatendo-se na água. Desta vez, apenas duas são resgatadas. Aturdidos, os dois ouvem uma gritaria ainda maior. Dessa vez, oito seres vindo correnteza abaixo. Um dos pescadores vira as costas ao rio começa a ir embora. O amigo exclama: - Você está louco, não vai me ajudar? Sem deter o passo, ele responde: - Faça o que puder. Vou tentar descobrir quem está jogando as crianças no rio.

(Lenda indiana)

Ao ler essa lenda percebi que ela remete mais ou menos à função na sociedade que eu pretendo exercer
.

sábado, 23 de agosto de 2008

leminski, p.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

metáfora literária

Era um homem velho e solitário que passava a maior parte do tempo na cama. Corriam boatos de que tinha um tesouro escondido em casa. Certo dia apareceram alguns ladrões: vasculharam tudo e encontraram um baú no porão. Arrastaram-no para fora e, ao abri-lo, viram que estava cheio de cartas. Eram as mensagens de amor que o velho recebera no curso de sua longa vida. Os ladrões iam queimar as cartas, mas, conversando a respeito, decidiram devolvê-las. Uma por uma. Uma por semana. Desde então, todas as segundas-feiras ao meio-dia, o velho ficava esperando o carteiro aparecer. E logo que o via, o velho voava ao seu encontro; o carteiro, que sabia de tudo, entregava-lhe a carta. E até São Pedro podia ouvir o pulsar daquele coração, ensandecido pela ventura de receber uma mensagem de mulher.

(Eduardo Galeano, em Livros dos Abraços)

Uma síntese da sensação que a literatura provoca em nós!

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

sem as plumas, numas.

Há muita coisa ainda a dizer.
Há muita coisa ainda a fazer.
Há muita coisa ainda a querer.
Há muita coisa ainda a viver, pra morrer.
Há muita coisa ainda a surgir.
Há muita coisa ainda a cantar.
Há muita coisa ainda pra ir.
Há muita coisa em qualquer lugar pra notar.

Riam, chorem , sonhem, soltem as asas
Sem as plumas, numas.

(Secos e molhados)

quarta-feira, 13 de agosto de 2008


"Yo quisiera... poder hacer lo que me de la gana detrás de la cortina de "la locura". Así: arreglaría las flores, todo el día, pintaría el dolor, el amor y la ternura, me reiría a mis anchas de otros, pero sobre todo me reiría de mi. Construiría mi mundo que mientras viviera seria mió y de todos..."

Frida Kahlo